Rugas podem ser a causa do envelhecimento, e não a consequência
Associada a marcas do tempo, as rugas podem ser mais do que isso, sinais de velhice. É o que propõe uma série de novos estudos propõe que levanta a hipótese de que elas não são apenas resultado, mas também causa de envelhecimento, inclusive o de outros órgãos. Isso porque seriam emissárias de coquetéis químicos que transformam células em zumbis e degeneram precocemente o organismo, em especial o cérebro.
Rugas – o que causam?
De acordo com Cláudia Cavadas, líder do grupo de investigação de neuroendocrinologia e envelhecimento do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, em Portugal:
“Nossa pele não é somente uma barreira protetora e uma janela para o que acontece no interior de nosso corpo. À medida que envelhece e perde funções, ela também leva para outros órgãos problemas causados por agressões externas, como as provocadas pela radiação solar e o fumo. Se a sua pele tem sinais de envelhecimento, como as rugas, por dentro não é diferente.”
Ela coordenou um artigo que analisa resultados de pesquisas com novas hipóteses para o envelhecimento. O trabalho foi publicado na revista Trends in Molecular Medicine e tem chamado atenção.
Pele
A pele é muito mais complexa do que se costuma imaginar. É o maior órgão do corpo humano, nos protege de todo tipo de agressão, seja do sol, do fumo, da poluição, de substâncias químicas e ataques de micro-organismos nocivos. A pele produz vitamina D, associada à imunidade, trabalhando para a nossa regulação térmica.
Além disso, a passagem do tempo causa inexorável envelhecimento não apenas na pele, mas em todo o corpo. Nas mulheres, os órgãos envelhecem primeiro que nos homens. No entanto, na pele o envelhecimento é potencializado por fatores ambientais, como má alimentação, poluição, fumo e, principalmente, a radiação solar. Os raios solares degradam o colágeno e a elastina. O resultado são as rugas.
Contudo, a pele envelhecida apresenta alterações moleculares, celulares e estruturais. Dentre essas transformações está o acúmulo de células senescentes. Isto é, células envelhecidas, disfuncionais, como as existentes em rugas e manchas. A radiação UV também danifica o DNA e amplifica o processo de senescência.
E quando se acumulam, essas células senescentes podem induzir ou acelerar disfunções associadas ao envelhecimento em outras células da pele e demais órgãos e tecidos, afirma Cláudia.
A senescência afeta todo o corpo, e integra o processo normal de envelhecimento, mas na pele é pior porque não apenas ela é bombardeada por fatores externos quanto porque está conectada a outros órgãos e tecidos. É por isso que o acúmulo de células da pele envelhecidas, como as das rugas, afetam outras partes do corpo, diz a cientista.
Ela reforça que é como se as células senescentes fossem zumbis, que já não sabem bem o que são. Ou seja, não fazem o que deveriam e se portam como mortas-vivas levando sua sina a outras células.
Limpeza
Uma das primeiras perdas de função das células senescentes é a de limpeza. Geralmente, as células conseguem se livrar de restos de proteínas e outras estruturas imprestáveis. A ciência chama isso de autofagia. Neste caso, a célula envelhecida não se limpa como deveria, acumulando “lixo” em seu interior.
As células senescentes liberam proteínas causadoras de inflamação que danificam as células saudáveis a sua volta, como microzumbis. Seu acúmulo está relacionado a uma série de doenças da velhice, como câncer, males cardiovasculares, osteoartrite, diabetes do tipo 2, catarata e demências.
Na pele, os efeitos do acúmulo de células senescentes são visíveis. Ela fica mais fina, perde elasticidade, tem reduzida sua capacidade de regeneração e de funcionar como barreira contra agressões externas. Fica enrugada, manchada e com aparência quebradiça.
Isso é o que se vê. Contudo, a nova hipótese é que por estar conectada a outros órgãos, a pele exporte coquetéis aceleradores de velhice.
Impacto
O envelhecimento da pele já foi correlacionado com disfunções no sistema imunológico e no risco de doenças cardiovasculares, afirma o artigo. Já um sistema cutâneo neuroendócrino sustenta uma comunicação entre a pele e o cérebro.
Cláudia destaca que, por exemplo, o envelhecimento da pele induzido pela radiação ultravioleta (UV) possui impacto sobre o cérebro. Em estudos com animais se viu que a radiação UV reduz a formação de neurônios no hipocampo, estrutura cerebral ligada à fixação de memórias, ao aprendizado e às emoções.
O grupo da cientista estuda particularmente a associação entre as alterações na pele e as funções do hipotálamo. Esta é a região do cérebro que regula funções essenciais à vida, como metabolismo, fome, sono, crescimento e reprodução. Trata-se de um maestro que mantém o equilíbrio do organismo ao reger sinais metabólicos, hormonais, neuronais e ambientais.
Hipotálamo
Cláudia observa que o hipotálamo está envolvido na longevidade ao regular os níveis de hormônios essenciais ao funcionamento do organismo e cuja concentração declina com o avançar da idade.
Por fim, os cientistas dizem ainda que é uma questão em aberto se remover as rugas teria algum impacto no processo de envelhecimento do restante do corpo.
*Foto: Reprodução/Unsplash (freestocks – unsplash.com/pt-br/fotografias/_vJvLne0TwI)